Por José Sarney
A liberdade de imprensa, que se estabilizou universalmente desde os tempos de Jefferson, tem sofrido um abuso de representações de fontes inesperadas — e também de seguidores de doutrinas que nunca a respeitaram.
Há, evidentemente, uma grande diferença entre a imprensa e os governos contemporâneos e os do tempo de Thomas Jefferson.
“A base de nossos governos sendo a opinião do povo, a primeiríssima preocupação deve ser manter a [liberdade de opinião]; e se eu tivesse que escolher entre um governo sem jornais ou jornais sem um governo, não hesitaria um momento em preferir o último”, uma de suas frases famosas, coloca alternativas extremadas e ambas péssimas para enfatizar uma ideia essencial, a de que a liberdade pessoal não é só a de agir, mas também a de pensar.
O político Jefferson muitas vezes entraria em conflito com os jornais, mas seu idealismo sempre achava que conseguiria ser imparcial e, sobretudo, que precisava ser protegida.
No Brasil começamos com um período de três séculos de restrição absoluta à imprensa. Só com a vinda do príncipe-regente começamos a ter uma imprensa. Quando, nos dias da independência, aquela começou a discordar, a reação foi a violência, o cacete, que se instalaria também em nossas eleições (leia-se João Lisboa). Mas evoluímos. Então, depois de algum tempo de razoável liberdade, a censura voltou firme no período militar. A reação inteligente, a começar pelo jornal do saudoso Dr. Júlio de Mesquita Filho — a quem defendi, naquela época, em discurso no Senado Federal —, foi marcar os espaços dos textos vetados. Camões e os livros de receita deram grande contribuição para mostrar às pessoas que havia informações e opiniões que os governantes impediam que chegassem aos cidadãos, mas só se podia conjecturar o que seria.
Presidente da República, acabei imediatamente com toda e qualquer censura. Poucos presidentes terão sido tão atacados e vilipendiados quanto eu. Não processei nenhum jornalista, nenhum jornal, nenhuma televisão, nenhum rádio.
Outra é a posição que foi adotada pelos comunistas desde que chegaram ao poder em 1917. Um “decreto sobre a imprensa” proibiu imediatamente qualquer artigo “burguês” sobre os bolcheviques. Mas nada disso se comparou ao que houve sob Stálin, quando não só existia uma “verdade” oficial — que era a publicada no Pravda, que é a palavra russa para verdade — como todos os livros e impressos que a contrariavam foram expurgados e destruídos.
Estamos vivendo sob a lógica stalinista. O abuso de representações judiciais tem o objetivo de atemorizar e calar a opinião contrária a sua “mentira”. Mesmo conhecendo a jurisprudência, agem para judicializar a política, causando perda de tempo e desgaste aos opositores. É uma tentativa que, por si só, agride o Direito, e cuja consequência pode ser politizar a Justiça.
Mas no Brasil, felizmente, a Justiça tem dado força à noção de que a liberdade de imprensa inclui a possibilidade de criticar, de opinar, de divergir. É o que diz acórdão do Ministro Celso de Mello, que acrescenta:
“a crítica jornalística traduz direito impregnado de qualificação constitucional, plenamente oponível aos que exercem qualquer atividade de interesse da coletividade em geral”.
O direito à liberdade de imprensa é um direito inalienável do cidadão. Sempre tive o compromisso de garantir e buscar tal liberdade, pois todos sabemos que ela sempre será uma barreira invisível a impedir o florescimento da tirania, que, em meio à liberdade, dela se possa utilizar para cercear a vontade coletiva.
Nas sociedades democráticas, dominadas pelas comunicações, quando se retira do homem o acesso direto à informação, retira também a capacidade de saber o seu próprio destino.