O diretor de redação do Nexo Jornal, Conrado Corsalette, e a correspondente da BBC News em Brasília, Mariana Schreiber, deixaram o governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), em uma tremenda saia ajusta ao abordar, de forma incisiva, durante entrevista do comunista ao programa Roda Viva, da TV Cultura, a ação policial truculenta para cumprimento de uma liminar que ordenou a reintegração de posse na localidade Cajueiro, na zona rural de São Luís, para construção de um porto privado. Surpreendido pelo profundo conhecimento demonstrado pelos dois jornalistas sobre o assunto, Dino ficou visivelmente embaraçado, gaguejou e chegou a ser traído pelas palavras.
Coube a Conrado Corsalette abrir a série de perguntas indesejáveis a Flávio Dino sobre a intervenção cruel do Estado, então representado pela PM, para expulsar as famílias do Cajueiro, ocorrida em agosto. O diretor do Nexo Jornal indagou ao governador se a truculência policial e o silêncio dele diante dos apelos para que interferisse em favor da comunidade não seria o descompasso entre o seu discurso no plano nacional e a prática.
Diante da consistência dos fatos, restou ao comunista reafirmar o que já dissera em nível local: “o que houve foi o cumprimento de uma decisão de reintegração de posse. Nós fizemos todo o processo de mediação”, declarou, omitindo que se negou a receber uma comitiva de moradores do Cajueiro, que chegou a fazer vigília em frente ao Palácio dos Leões e foi expulsa com bombas de efeito moral e balas de borracha pela tropa de choque.
Mas, ao continuar a resposta, Flávio Dino expressou claramente o seu desejo de ter poderes absolutos. “Lamentavelmente, chega um certo momento que o governador não é ditador. Eu não tenho o poder de anular uma ordem judicial. Eu não tenho o poder de impedir o cumprimento de uma ordem judicial”, assinalou. E foi além, deixando transparecer ainda mais sua tendência totalitária. “Lamentavelmente, são Três Poderes no Estado”, queixou-se, para em seguida contradizer-se duas vezes ao enfatizar que seu governo tem tido muito cuidado no cumprimento de reintegrações de posse. Primeiro porque tal cautela não foi percebida no caso do Cajueiro. Segundo, por dar a entender, na mesma frase, que detém o poder que momentos antes havia garantido que não tem.
Culpa no governo anterior e na polícia
Com uma sequência de perguntas certeiras, Mariana Schreiber acuou ainda mais Flávio Dino. A jornalista chegou a supor que houve pouco empenho do governo em busca de um acordo com as famílias, já que tratava-se de uma liminar, que poderia ser derrubada. Citou ainda o que chamou de imbróglio político e até denúncias de grilagem de terras. Questionou, ainda, a truculência policial e a aparente ausência de normas aos policiais para que evitassem agressões aos populares.
Eximindo-se de qualquer responsabilidade em relação ao polêmico caso, Flávio Dino, como sempre atribuiu a culpa pelo impasse na Justiça ao governo anterior. Quanto a violência praticada pela PM contra os moradores, o governador preferiu atribuir ao que chamou de minoria de policiais que não seguiram o protocolo de conduta repassado à tropa.
Em meio aos temas estritamente políticos abordados na entrevista de Flávio Dino ao Roda Viva, ganharam ênfase as agressões perpetradas pela polícia a ele subordinada contra cidadãos humildes e vulneráveis. A interpretação de tal fato como negação da retórica de esquerda, calcada na defesa intransigente da justiça social, tão propalada pelo governador maranhense, também chamou atenção.
No mais, a participação do comunista no conceituado programa expôs para todo o Brasil que ele não tem lá tanta habilidade com o discurso quando confrontado por assuntos incômodos.
Por Daniel Matos