Esse ano, toda a nação se reunirá para decidir seu governante pelos próximos 4 anos.
É a época onde diversas das questões são trazidas à mente do brasileiro; saúde, educação e segurança são amplamente discutidas na televisão. Historicamente, a ciência tem ficado de lado nesses debates, raramente sendo o ponto focal de qualquer candidato. Esse ano, mais do que nunca, a ciência brasileira precisa estar em pauta.
2018 e os próximos anos serão cruciais para decidir o destino do país pelas próximas décadas; com os cortes recentes da verba de ciência e tecnologia, o desenvolvimento brasileiro se tornará irreversivelmente defasado caso esses cortes não sejam revertidos. Se o próximo presidente não estiver disposto a priorizar a restauração dessa verba, podemos dar adeus às perspectivas de um Brasil desenvolvido no futuro próximo.
Recentemente, tivemos uma iniciativa excelente para tentar mudar esse cenário, que foi a Sabatina com os Presidenciáveis organizada pelo Disperciência e o Science Vlogs Brasil. Essa sabatina contou com a presença de quase todas as candidaturas, seja na figura do candidato em si ou através de um representante (com três exceções: Manuela D’Ávilla (que não é mais candidata) e Geraldo Alckimin, que alegaram incompatibilidade de horários, e Jair Bolsonaro, que sequer respondeu ao convite da organização). Caso você não tenha visto, sugiro fortemente que veja o debate CLICANDO AQUI.. Ele é longo, sim, mas o seu país precisa que o seu voto seja informado. Vá assistindo ao longo de vários dias se necessário, mas faça-o.
Essa semana, tivemos a divulgação dos planos de governo de todos os principais candidatos à corrida presidencial. Assim, resolvi dar uma olhada em todos eles e averiguar o que cada candidato tem em mente para resolver a situação da ciência no país.
Farei o possível para afastar os meus viéses (Afinal, não sou uma máquina – tenho meus candidatos favoritos e, principalmente, os que sou veemente contra). O intuito aqui será avaliar as propostas conforme estão no plano de governo, emitindo a minha opinião. Peço aos leitores que façam o possível para fazer o mesmo – e, acima de tudo, evitem cair no fanatismo. Se eu falei mal do plano de governo do(a) seu(ua) candidato(a), não significa necessariamente que eu estou tendo favoritismos, que eu sou [insira aqui seu rótulo favorito] ou que eu sou incapaz de entender a genialidade do(a) candidato(a). Às vezes a ideia é só uma merda mesmo. E você precisa estar apto à avaliar criticamente o(a) seu(ua) candidato(a) e ser capaz de reconhecer que ele(a) é capaz de errar. Cultos à personalidade, historicamente, são uma cilada tremenda (vide Mussolini, Hitler, Mao Zedong, Stalin, etc)
Sem mais delongas, vamos aos planos. Clicando no nome do candidato, você terá acesso ao plano de governo completo do mesmo. Os candidatos estão ordenados por ordem de intenção de votos NESSA pesquisa recente, e ordem alfabética em caso de empate.
Lula (PT)
A primeira aparição da palavra “ciência” no programa é em um parágrafo falando sobre políticas visando promover representatividade feminina na sociedade de forma geral, onde menciona “o incentivo à produção de ciência e tecnologia pelas mulheres”. Obviamente é positivo expandir a participação feminina no mundo científico. Também propõe o Programa Escola com Ciência e Cultura, que, segundo o programa, transformará “as unidades educacionais em espaços de paz, reflexão, investigação científica e criação cultural”. Bonito, mas os termos são vagos – significa ensinar metodologia científica no ensino fundamental e médio? Significa ampliar laboratórios de ciências nas escolas? Significa colocar alunos em contato com cientistas e trabalhos científicos? Não sabemos.
Então, o programa de Lula promete ampliar os investimentos em ciência, tecnologia e inovação – mas não diz para quanto, nem que medidas específicas pretende tomar para isso. Isso é repetido posteriormente no Programa. Também propõe ” intensificar o diálogo da cultura com outros campos, como a educação, a ciência e tecnologia, a comunicação, o esporte, a saúde, a economia e o turismo”. Novamente, o que isso significa, especificamente?
Em parágrafo posterior, reconhece a necessidade de investimentos em ciência e tecnologia como pré-requisito para um modelo de desenvolvimento.
Finalmente, chegamos à uma seção específica para falar de ciência e tecnologia, o que é bastante positivo (e presente em surpreendentemente poucos dos planos de governo). Reafirma nessa seção a importância de investimentos significativos no ramo, e propõe algumas ideias. A primeira é a criação do Sistema Nacional de Ciências, Pesquisas e Inovação (C,P&T) que, pelo que eu entendi, seria um sistema para integrar a produção científica pública e privada, aproximando as duas. Sinceramente não entendi bem a proposta. A segunda proposta é sobre a ampliação do comércio externo e utilização cooperativa de recursos com outros países. Não fica 100% claro a relação deste item com ciência – pesquisas colaborativas? Exportação de tecnologia? Enfim. Também propõe recriar o Ministério de Ciência e Tecnologia (atualmente fundido ao de comunicações), uma decisão acertada ao meu ver (seria bom preenchê-lo por mérito e não por jogo político, mas essa é outra história…); por fim, o programa propõe retomar o direcionamento de recursos do Fundo Setorial do Petróleo ao Fundo Nacional de Ciência e Tecnologia. Essa proposta me agrada não só por ser maior financiamento para ciência, mas por ser uma proposta concreta.
No geral, não achei o programa ruim, mas também não achei dos melhores. Ele reforça várias vezes o compromisso de aumentar o orçamento, mas não diz para quanto. Gostaria de uma porcentagem razoável do PIB (2 ou 3%) sendo fixada para isso. No mais, achei o plano meio vago. Parece estar com boas intenções, mas não com a atenção devida para o tema, e a estruturação devido.
Jair Bolsonaro (PSL)
O candidato possui uma seção dedicada à ciência e tecnologia no plano de governo, o que é um ponto positivo, bem como uma estruturação de um plano de fato, invés de apenas promessas – outro ponto positivo. A seção se debruça principalmente sobre a intenção do candidato de melhorar a relação da ciência com o mercado privado, tomando como exemplo hubs tecnológicos de países mundo afora. O programa realça a importância (na opinião do candidato) dos universitários terem uma formação empreendedora, buscando transformar os conhecimentos adquiridos em produtos e negócios, e a importância de aproximar a academia do mercado. Por fim, também destaca a importância do Brasil aproveitar os seus recursos e oportunidades – como o desenvolvimento de formas sustentáveis de energia (assunto que, de fato, somos um país com plenas condições de nos tornamos líderes) e procurando novas e inovadoras aplicações com nióbio e grafeno, dois produtos naturais abundantes no Brasil.
Vamos começar pelos pontos positivos. O plano me surpreendeu positivamente. De fato, o Brasil se beneficiaria bastante de uma melhor integração entre a academia e a iniciativa privada e um maior aporte de recursos da iniciativa privada em pesquisas de tecnologia aplicada. Realmente no mundo inteiro há investimentos privados no setor de ciência e tecnologia, e o Brasil é deficiente nessa integração. Também fiquei feliz em observar essa valorização das capacidades energéticas do Brasil. Essa é uma tecla que eu bato bastante: nós estamos com a faca e o queijo na mão para nos tornarmos líderes do setor energético mundial conforme a mudança da matriz energética for se solidificando no século XXI (E isso é inevitável, graças ao aquecimento global. Negacionistas podem chorar e mentir à vontade, quando as temperaturas começarem a trazer malefícios econômicos ao setor agrário, por exemplo, os países serão forçados a procurar alternativas aos combustíveis fósseis).
O Brasil precisa correr atrás, e logo, de desenvolver formas alternativas de energia ou aperfeiçoar as já existentes (hidrelétrica, eólica e solar são todas possíveis de serem aplicadas no país e, portanto, de serem estudadas e aperfeiçoadas por nós), estabelecendo-se assim como líder nesse mercado para poder aproveitar essa demanda que vai chegar mais cedo ou mais tarde. E, por mais que muitos zoem o Bolsonaro por ele botar fé demais no nióbio e no grafeno (não, eles não são a fórmula mágica para a solução de todos os problemas), vale a pena sim estudar esses materiais e procurar novas e inovadoras aplicações – porque, novamente, se conseguirmos, nós seríamos os líderes imediatos do mercado, por possuirmos amplas reservas desses recursos.
O problema do programa do Bolsonaro não é o que ele contém, mas sim o que falta. O foco excessivo na iniciativa privada é preocupante porque, ainda que eu ache sim que o Brasil precisa melhorar nesse aspecto, a iniciativa privada jamais pode substituir os investimentos públicos em ciência, e sim complementá-los. Simplificando um pouco: A ciência se divide em ciência básica e ciência aplicada. A ciência aplicada pode e deve receber investimentos da iniciativa privada; isso é útil para liberar os recursos públicos para serem aplicados majoritariamente na ciência básica, que é a ciência que estuda os fenômenos meramente para entendê-los, não necessariamente para gerar uma tecnologia deles. E essa relação é simbiótica: A ciência básica é o pântano de ideias que a ciência aplicada extrai a sua “matéria prima intelectual”, por assim dizer; a ciência aplicada, por sua vez, fornece ao público leigo a justificativa para os investimentos públicos para manter a ciência básica.
É importante entender que ciência básica não é ciência inútil. Primeiro porque o propósito da ciência não é (só) gerar tecnologia, mas sim entender o mundo em que vivemos; e segundo porque, como eu expliquei, a ciência aplicada depende da existência da ciência básica. Ilustrando com um exemplo: As tecnologias de comunicação que possuímos hoje (rádio, TV, computador, etc) só se tornaram possível quando James Maxwell conseguiu compreender o fenômeno do eletromagnetismo. Maxwell era um cientista de ciência básica – ele não estudava o eletromagnetismo com o intuito de criar rádios e televisões, e sim para entender esse fenômeno da natureza. Porém, quando o fenômeno foi entendido, essa aplicação se tornou possível por outros cientistas. Ou seja, o governo precisou sustentar as pesquisas “inúteis” de Maxwell para que nós tivéssemos uma base sólida o suficiente para tornar possível o desenvolver aparelhos de comunicação.
E esse é o tipo de investimento que a iniciativa privada jamais faria, porque os ganhos são incertos e, muitas vezes, à longuíssimo prazo. Por isso é preciso tomar cuidado com essa noção que a solução para a ciência é deixar a iniciativa privada cuidar dos investimentos. Essa deve sim ser uma prática complementar, permitindo assim uma maior liberação de recursos públicos. O programa de Bolsonaro só menciona a primeira metade, sem mencionar seus planos para a pesquisa básica e sem se comprometer a manter os investimentos públicos em ciência. Esse silêncio é preocupante.
Com essa ressalva, porém, eu diria que o plano de Bolsonaro é aceitável. É certamente melhor que o silêncio ou promessas vagas de alguns candidatos supracitados.
Geraldo Alckimin (PSDB)
A única referência à ciência no Programa é uma proposta de estimular parcerias entre universidades e empresas, trazendo o setor privado para próximo do setor científico de forma a a produtividade e competitividade brasileira. O programa especifica que essa aproximação seria para o setor aplicado, mas não diz nada sobre o que pretende fazer com o setor de ciência básica, ou quais serão as medidas tomadas para combater os catastróficos cortes recentes no orçamento científico. Na minha opinião, o programa está incompleto no que diz respeito às necessidades do setor científico neste momento do país.
Marina Silva (REDE)
O programa de Marina reconhece logo no início a importância dos investimentos em ciência e tecnologia para o desenvolvimento do país. Chega até a pincelar um reconhecimento da importância de difundir esse conhecimento na sociedade, mas não fica claro se ela fala especificamente da divulgação científica, ou apenas do acesso da sociedade aos frutos desse conhecimento. De qualquer forma, ambos são importantes.
O programa possui uma seção específica sobre ciência e tecnologia – o que, como repeti várias vezes nessa matéria, é um ponto positivo, demonstrando que a candidata reconhece a importância do tema. A seção começa com um reconhecimento do problema, chamando-o de a maior crise da história da ciência brasileira (o que, de fato, é). Marina afirma que seu governo reconhece a ciência como investimento, e não gasto (uma visão acertada). A candidata se compromete a trabalhar para tentar garantir 2% do PIB para financiamento de ciência e tecnologia, e propõe recriar o Ministério de Ciência e Tecnologia (separado do de Comunicações). Além disso, Marina afirma que a inovação brasileira é precária, se referindo aqui especificamente à empresas, que tem poucos retornos em investimentos de pesquisa e desenvolvimento.
Ela propõe combater isso reduzindo tarifas e remoção de barreiras e entraves burocráticos para a importação de materiais, serviços e equipamentos a serem usados em ciência, tecnologia e inovação. Por fim, Marina pretende facilitar a vinda de cientistas de fora do Brasil pra cá (uma “fuga de cérebros” ao contrário) e fortalecer a relação universidade-empresa.
Gostei muito do que vi no programa da Marina. Ele é sucinto, mas direto ao ponto, reconhece efetivamente o problema e tem boas propostas para solucioná-lo, algumas bastante específicas. Um dos melhores programas, ao meu ver, para a ciência e tecnologia.
Ciro Gomes (PDT)
O programa de Ciro Gomes possui uma sessão específica para lidar com ciência e tecnologia, o que é bastante positivo. Nela, o candidato faz um bom resumo dos problemas enfrentados pela ciência brasileira – a fuga de cérebros, a falta de modernização, a burocracia. Então seguem-se uma série de propostas – elaborar um plano nacional de ciência e tecnologia, buscando tornar o esforço científico mais eficiente e mais próximo do setor privado; colocar a ciência e tecnologia nacional para fomentar o setor produtivo; fortalecer o CNPq, estimular a aplicação do conhecimento ao setor tecnológico e aproximar o setor empresarial das universidades. Neste último item, ele propõe ideias mais concretas: auxiliar empresas que atuam no país a construir centros de pesquisa por aqui, e estimular a contratação de pesquisadores por essas empresas, permitindo o pagamento de bolsas à esses pesquisadores, pelo que entendi. Se for isso, seria excelente; você permitiria que as agências de fomento fornecessem bolsas à pesquisadores trabalhando no setor privado, o que significa que a empresa receberia um profissional altamente qualificado para desenvolver pesquisa e desenvolvimento à custo baixo, e o pesquisador teria mais opções de carreira além de simplesmente se tornar professor universitário.
Também propõe uma divisão de recursos para investimento em ciência; parte iria diretamente para a universidade para ela alocar onde achar melhor (Basicamente como é hoje), mas a outra parte seria direcionada à estimular pesquisas em assuntos estratégicos que “atendam as demandas da sociedade”. Se isso for associado a um aumento nos investimentos de forma geral, pode ser uma boa ideia. Ela respeita a importância da ciência básica, mas também trabalha para aproximar a academia da iniciativa privada, que é uma excelente medida, ao meu ver, como já discorri acima. O programa menciona também criar um conselho superior de política de ciência e tecnologia, o que pode ser uma boa ideia se for composto de cientistas – e uma péssima ideia se for composto de políticos. Reforça como dois setores chaves o setor de fontes de energia renovável (que concordo, como disse acima no item do Bolsonaro) e da “indústria 4.0” – a digitalização e automação dos meios de produção, outro setor absolutamente crítico para este século.
O programa também discorre um pouco sobre a importância de estabilizar o financiamento científico – absolutamente crucial, como disse na introdução – e propõe novas maneiras de viabilizar financiamento científico, incluindo a criação de fundos de investimento. Também propõe algo extremamente importante: A desburocratização da importação de materiais para ciência, algo que prejudica extremamente o andamento eficaz da ciência brasileira. Por fim, Ciro promete melhoras no sistema de patentes e propriedade intelectual, buscando desburocratizar e aumentar a segurança jurídica do processo, facilitando a integração entre universidades e empresas.
No geral, achei o programa do Ciro extremamente positivo. Ele reconhece a importância do investimento em ciência básica, mas também procura maneiras de estimular o investimento privado em ciência aplicada. Só tenho uma crítica, mas bem pequena: Faltou formalizar uma porcentagem do PIB para investimento em ciência. O Ciro já declarou intenção de investir 2% do PIB – meta brasileira há anos, nunca alcançada – em outras ocasiões, mas eu queria ver isso no papel. Ainda assim, um dos melhores planos entre os analisados.
Álvaro Dias (PODEMOS)
Uma das grandes propostas de Álvaro Dias nos debates tem sido o seu “Plano de Metas”, contendo 19 metas divididas em Sociedade, Economia e Instituições. A Ciência aparece como a Meta 4 dentro das Metas de Sociedade, junto de Cultura e Turismo. Me é um pouco estranho colocar a ciência junto desses outros dois itens, uma vez que eles não tem muita relação com a Ciência. Também passa aquele ar de “segundo plano”. Mas isso talvez seja só uma interpretação errônea minha.
A próxima vez que a palavra ciência aparece no documento é nas diretrizes do plano de metas; o item “Ciência, Cultura e Turismo” propõe um “Programa Nacional de Inovação”, mas não explica o que seria esse programa, nem como ele vai ajudar a ciência brasileira.
Não tem muito material para abordar aqui. O programa diz que tem ciência como uma das prioridades (Uma das 19, pelo menos…), mas não traz nenhum plano, nenhuma proposta concreta. Gostaria de ouvir mais do candidato sobre o que é esse Programa Nacional de Inovação.
Cabo Daciolo (PATRIOTA)
Em seu programa de governo, o candidato Daciolo reconhece a importância de políticas públicas em diversas áreas, entre elas a ciência. Também afirma que apenas 8% das escolas públicas do país possuem laboratório de ciências, e permite alocar mais recursos públicos para aumentar esse índice (entre outros citados no mesmo parágrafo). Em outro parágrafo, se compromete a valorizar ciência e tecnologia, mas não desenvolve o raciocínio, concluindo com uma promessa de aumentar o número de institutos federais de formação técnica. Por fim, no final do programa, afirma que quer tornar o Brasil um país utilizador de matérias-primas invés de exportador das mesmas, citando que podemos então aplicar essas matérias-primas em áreas de ciência e tecnologia para produzir bens finais de consumo interno. Conclui o parágrafo dizendo que ” IREMOS FIGURAR ENTRE OS PAÍSES MAIS DESENVOLVIDOS DO PLANETA.” (Com caps-lock ligado mesmo).
Também acho que o Brasil pode ser um dos países mais desenvolvidos do planeta (com caps-lock opicional), e explico melhor como no parágrafo sobre o programa do Bolsonaro. Quanto ao programa do Cabo Daciolo, senti falta de propostas concretas e de um compromisso claro com a restauração dos níveis de investimento público em ciência.
João Amoedo (NOVO)
A palavra ciência só aparece uma vez no texto, em uma proposta que diz “Novas formas de financiamento de cultura, do esporte e da ciência com fundos patrimoniais de doações.”. Fundos patrimoniais são basicamente grandes montantes de dinheiro, geralmente doados por alguém, que são investidos e seus rendimentos usados para investir em objetivos diversos. Um exemplo famoso são a Fundação Rockfeller e a Fundação Bill e Melinda Gates. O candidato também menciona a ciência na proposta “Universidades: melhor gestão, menos burocracia, novas fontes de recursos não-estatais e parcerias com o setor privado voltadas à pesquisa.”
A ideia de fazer isso no Brasil não é ruim. De fato, o Instituto Serrapilheira, fundado ano passado, é basicamente isso, e eu adoraria ver mais iniciativas do tipo se proliferando. Porém, é o mesmo que eu falei acima: Essa é uma prática complementar, não fundamental. Essa não pode ser a espinha dorsal do financiamento científico no país, ou a ciência brasileira quebra. Acho ótimo visar aproximar o setor privado da academia e das pesquisas aplicadas brasileiras, mas a ciência está em crise por falta de financiamento público, e a falta de comentários do candidato sobre isso é preocupante. Não será suficiente aproximar a iniciativa privada da ciência e se dar por satisfeito; é necessário também restaurar – ou, se possível, ampliar – o financiamento público em pesquisa.
Henrique Meirelles (MDB)
A palavra “Ciência” sequer aparece em todo o documento. Eu dei uma lida geral e realmente não encontrei nada. Acho bastante triste o candidato do maior partido do país não dedicar uma linha do seu programa de governo à ciência. Gostaria de ver um compromisso formalizado com a ciência por parte do candidato.
Vera Lúcia (PSTU)
As palavras “ciência”, “pesquisa”, “tecnolgia” e “inovação” sequer aparecem no texto em momento algum. Booo.
Eymael (DC)
O eterno democrata cristão, do jingle que gruda feito chiclete (você está cantando agora, não está?) só menciona uma vez alguma coisa relacionada à ciência, até onde pude ver: Ele propõe a criação do Plano Nacional de Apoio à Pesquisa, “tanto em seu aspecto de investigação pura, como no campo da pesquisa aplicada”. Fico feliz que o candidato reconheça a distinção e a importância de ambas, mas ele não diz o que é esse plano e como isso vai ajudar a ciência, tampouco menciona qualquer coisa sobre a crise orçamentária atual. É melhor do que o nada de alguns candidatos, mas gostaria de ter mais detalhes sobre esse Plano.
Guilherme Boulos (PSOL)
O plano de Guilherme Boulos é campeão absoluto em comprimento – 228 páginas, bem mais que o dobro dos outros programas extensos como o de Bolsonaro, Lula e Ciro. O programa reconhece a crise de investimentos na ciência, culpabilizando os cortes na área pela grave recessão que o país enfrenta. O programa realça que deseja combater a prática da Cura Gay e similares, que classifica (acertadamente) de pseudocientíficas. No item 4 do Programa, o candidato que a produção do conhecimento será um dos eixos do desenvolvimento do país. Reafirma o compromisso em manter a autonomia universitária e o aumento dos investimentos. Propõe a criação de um programa de fomento à inovação, pesquisa e desenvolvimento, buscando articular as áreas econômicas e sociais com a científica – o que, ao meu ver, é meio vago. A seção critica pesadamente os cortes e a dissolução do ministério de ciência e tecnologia através da sua fusão com o ministério de comunicações. Reconheceu o papel da luta política dos cientistas, que se fortaleceu esse ano, contra os cortes. Propõe fortalecer a cooperação internacional, promovendo mobilidade de pesquisadores e facilitando o reconhecimento de títulos entre os países. Por fim, faz três propostas: Refazer o Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação, ampliando seu orçamento; aplicar o Marco Legal da Ciência, já aprovado no Congresso (Se quiser saber mais sobre o marco, leia AQUI); e elaborar um Plano Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, articulando sociedade, setores produtivos e academia, estabelecendo uma política estratégia de pesquisa com metas a curto, médio e longo prazo, e estruturado de forma a não ficar vulnerável às mudanças de governo posteriores. Afirma que esse programa deve possuir mecanismos de controle para evitar uso irresponsável de dinheiro, mas reconhece a necessidade de autonomia acadêmica – o que é ÓTIMO. Deixe a ciência para os cientistas, e apenas mantenha o olho neles. Dito isso, queria mais detalhes de como esse plano vai ser elaborado – suponho que o candidato não tenha essas metas já em mente (o que é um acerto – novamente, deixe os cientistas decidirem isso), mas não fala quem vai compôr a elaboração desse projeto, etc.
Em outro ponto do Programa, Boulos propõe o desenvolvimento de uma política de ciência e tecnologia para o setor farmacêutico, com laboratórios e instituições públicas como pilares centrais, que atenda às demandas do SUS. Isso me parece uma ideia arriscada. Laboratórios públicas não devem ser fábricas de remédio – isso quase aconteceu no caso desastroso da fosfoetanolamina, com consequências catastróficas. No caso de alguns candidatos, eu expressei preocupação que eles quisessem integrar a iniciativa privada em coisas onde ela não serve; aqui temo que seja o caso contrário, colocar a iniciativa pública em algo que fica melhor nas mãos do mercado.
De qualquer forma, achei um plano sólido, bem-fundamentado. Gostaria de mais especificidade em alguns pontos, mas poucos programas delineiam tão bem o problema atual de financiamento da ciência quanto o programa do PSOL.
João Goulart Filho (PPL)
Sim, isso mesmo, o filho do ex-presidente João Goulart está concorrendo. Eu descobri isso pesquisando para este texto. Vivendo e aprendendo.
O plano de governo do candidato possui uma sessão extensa dedicada à ciência e tecnologia. Nessa sessão, ele prioriza a restauração do ministério de Ciência e Tecnologia, desfazendo a fusão com o Ministério de Comunicações que foi realizada no governo anterior, e que o candidato João Goulart chama de “desastrosa”. Além disso, o candidato se compromete à ampliar o percentual de investimento em ciência e tecnologia para 3% do PIB, tal qual boa parte dos países desenvolvidos. O plano de governo do candidato aponta especificamente quais áreas ele pretende priorizar: microeletrônica, informática, telecomunicações, materiais estratégicos, engenharia genética, biomédica, nuclear, aeroespacial e a indústria da defesa, de forma a assegurar a independência nacional. Outro compromisso é o de fortalecer o Programa Espacial Brasileiro, bem como a indústria nuclear nacional, em cooperação com a comunidade internacional. Também reforça o desejo de aproximar universidade e setor privado, principalmente nos setores nucleares, agricultura, medicina e indústria. Por fim, propõe uma taxa de 1% sobre exportações agrárias, dinheiro esse a ser aplicado especificamente em ciência e tecnologia desse setor.
Eu estou absolutamente chocado com a altíssima qualidade desse plano de governo. As ideias são estruturadas e muito bem planejadas – fica claro que o candidato (ou, mais provável, sua equipe) pesquisaram ostensivamente o assunto. A especificidade do plano me agrada muito. Não é uma promessa vazia e generalista – é uma promessa específica, dizendo onde e porque quer investir, e até bolando planos para tornar esse desejo possível. Pretende trazer investimentos da iniciativa privada aos setores que se beneficiariam dela, mas sem abrir mão da importância da ciência básica. Eu honestamente não consigo ver um defeito relevante para criticar. O candidato definitivamente está no meu radar agora.
Considerações finais
Os programas que me deixaram uma impressão positiva foram (em ordem do “pior” para o “melhor”, mesmo considerando todos positivos): Lula e Bolsonaro (empate técnico), Boulos, Ciro, Marina e João Goulart. Menção honrosa para o do Amoedo, que tá no caminho certo, mas falta algumas coisas. Lembrando que essa classificação é meramente opinião pessoal minha.
Estou positivamente chocado com a do João Goulart. É uma pena que o candidato seja tão pouco conhecido e não tenha participação nos debates, porque suas pautas para a ciência são muito bem-embasadas. Marina é uma segunda-colocada muito próxima, ao meu ver. O espaço entre o programa de Ciro é um pouco maior, e entre o do Ciro e do Lula ou Bolsonaro ainda maior. Obviamente, essa é apenas minha opinião baseada no que eu li, e você pode interpretar as coisas de forma diferente.
Nenhum dos planos de causou revolta (novamente, analisando o que os programas falam apenas sobre ciência). Os programas que me decepcionaram não o fizeram por falar besteira, mas por não falar nada.
Naturalmente, essas são minhas impressões analisando apenas o programa. Se o candidato efetivamente acredita no que escreveu (ou no que sua equipe escreveu), são outros quinhentos.
No mais, é isso e espero que tenham gostado, deu um trabalho razoável de fazer.