Por José Sarney
Fui a Roma para acompanhar as cerimônias de Canonização de Santa Dulce dos Pobres. Enquanto andava pelas ruas da cidade lembrei-me do grande e comovente livro de Afonso Arinos, Amor a Roma. Afonso fez uma dedicatória (“a José Sarney, cuja amizade é uma das alegrias de minha vida”) que refletia uma amizade que vinha de muitos anos e que nascera na casa de Odylo Costa, filho — e se estendia à Annah, sua esposa, a mulher que não só o inspirava, mas que se encarregava de datilografar e preparar os originais.
Afonso deixou uma obra vasta e fundamental, entre literatura jurídica, como duas vezes constituinte e professor de Direito Constitucional das Universidades Estadual e Federal do Rio de Janeiro; como conhecedor profundo da História do Brasil, especialmente do Parlamento e dos grandes homens do Império e da República; como biógrafo do Rodrigues Alves, com Um Estadista da República; e como pensador e mestre de teoria jurídica, política e econômica.
Com essa atividade toda no domínio das letras, ainda teve tempo de dedicar-se à política, sendo um dos maiores oradores do Parlamento, tendo sido, como chanceler, o criador de nossa política externa independente. Quando foi presidente da delegação brasileira à Comissão de Política Especial das Nações Unidas, em 1961, convidou-me para dela participar, e ali tive oportunidade de ter como colega a “Mãe de Israel”, Golda Meir.
O livro era encantador — e minha admiração levou-o a convidar-me para escrever a contracapa da terceira edição — e conseguiu absorver o encanto de Roma, que é uma cidade museu.
O texto de Afonso não me deixava enquanto circulava por aquelas ruas, que são páginas da História da Humanidade, e revia as ruínas dos fóruns, do Coliseu, das Termas de Caracala, do Arco de Constantino; a Piazza Navona, a Piazza de Spagna, a Piazza del Popolo, a Fontana di Trevi, registros da cidade papal; e as igrejas, a começar pela Basílica de São Pedro, por Santa Maria Maior, pelo Gésu, que nos transportam, nos altares talhados, nos órgãos que acompanham o canto gregoriano, na beleza das formas e no silêncio das orações, à presença de Deus.
Andar em Roma é ver grandes figuras do passado: os Gracos, César, Pompeu, Augusto, Cícero e as legiões desfilando depois da conquista e da ocupação de terras, que fizeram dessa cidade o primeiro e maior império do Ocidente; e Virgílio e Ovídio a nos sussurrar os versos decorados na juventude; e Pedro e Paulo, que ali construíram a Igreja; e Michelangelo e Bramante e Vignola e Bernini e Raphael a reinventar a criação.
Entramos no Panteão de Adriano e vemos o túmulo de Raphael, ainda com a cabeça cheia das cores e figuras de suas geniais Stanzas. Nossa vontade é de ajoelharmos, compartilhando do que diz seu epitáfio, o ciúme da natureza. E levantamos a cabeça para sua cúpula monumental, onde se diz que o calor que sobe pelo óculo central — cuja luz dança e destaca ora os altares, ora os relevos — não deixa entrar a chuva.
Meu amor a Roma — duplo anagrama, amor que se mantém de trás para a frente — como no título sempre se renovava: ali a palavra amor tem o sentido do que Góngora dizia em soneto célebre: “O tempo tem carícia para as coisas velhas.”