As peças principais foram colocadas no tabuleiro e daqui a dois meses saberemos quem foi mais habilidoso na montagem de sua estratégia. Na etapa que terminou, há pouca dúvida de que o grande vencedor foi Lula. Ganhou ao fazer com que o sentimento de esquerda, definido de forma ampla, tenha uma representação unificada, apesar de permanecerem as candidaturas de Guilherme Boulos, pelo PSOL, e do PSTU. As pesquisas mostram que a vasta maioria de seus eleitores não hesitaria em apoiar esse representante, mesmo ainda no primeiro turno, se percebesse que era preciso.
Quem mais torcia pela candidatura de Ciro Gomes eram aqueles que desejavam que a esquerda chegasse à eleição do mesmo modo que a direita: fragmentada, mais que dividida. Ninguém questiona os méritos do pedetista, mas, em retrospecto, o que se percebe é sua incapacidade de reconhecer a força do enraizamento popular da liderança de Lula e a densidade social do PT. Achou que havia à disposição um espólio sem herdeiro e que suas qualidades pessoais o habilitavam a reivindicá-lo. Errou, apesar da simpatia com que foi visto por muitos progressistas, apreensivos com o que poderia vir a ser o “PT sem Lula”.
O que verificamos é que Lula permanece vivíssimo, apesar da prisão. Continua a ser avaliado como o melhor presidente de nossa história e aquele em cujo governo a vida mais melhorou. É o politico mais querido e com atributos mais admirados na atualidade, muito à frente de qualquer outro. A maioria das pessoas gosta dele por motivos pragmáticos (“o bolso”) e emocionais (“o coração”).
A constatação de que alguém assim está preso, por motivos fúteis, ao cabo de um processo que a grande maioria considera “político e não jurídico”, é de tal forma estranha que as pessoas supõem que o descalabro será consertado “assim que terminar a eleição”. Imaginam, com certa razão, que, se a única motivação da prisão foi tirá-lo da urna, tão logo acabe, o despropósito se solucionará.
Os sucessivos atos vistos como injustos e persecutórios de magistrados de todos os níveis, promotores e policiais, só reforçaram, desde o início do ano, a ligação entre a maioria da população e o ex-presidente. Ao contrário do que temia a esquerda, desejava a direita (e calculava Ciro Gomes), a caçada e a prisão não prejudicaram a imagem de Lula.
No que se refere ao PT, a consequência disso é um inédito crescimento das simpatias e identidades. Nunca, a não ser no auge do segundo governo Lula, foi tão expressiva a parcela “petista” na sociedade e a propensão a votar no PT está no nível de 2010, quando Dilma Rousseff venceu. Parece que de nada adiantou o tiroteio dirigido pela imprensa conservadora, em especial pelas empresas do Grupo Globo, contra o partido.
Do lado inverso, nunca foi tão pequeno o antipetismo, hoje na casa de 25% da opinião pública, depois de haver alcançado 40%. É tentador dizer que, de tanto querer exterminar o PT, a aliança conservadora acabou por fortalecê-lo.
Com Lula, a esquerda tem tudo para vencer a eleição no primeiro turno. Caso seja impedido, a candidatura de Fernando Haddad e Manuela d’Ávila, em uma coligação do PT com o PCdoB e partidos menores, sem a divisão que Ciro significaria, é favorita a terminar o primeiro turno na frente.
No segundo, seu adversário mais provável continua a ser Jair Bolsonaro. Chegam a ser cômicas as contas que os marqueteiros tucanos andam fazendo, de que Geraldo Alckmin tem votos a buscar no eleitorado bolsonarista, pois seria a “segunda opção” de um terço dele. Ainda que conseguisse a proeza de conquistar quem já o conhece e o descartou ao compará-lo a um direitista mais autêntico e combativo, continuaria atrás do capitão.
Ele e o ex-governador resolveram disputar o campeonato de ultradireitismo, procurando companheiros de chapa ainda mais conservadores. O que fizeram foi criar complicadores para o antipetismo menos furioso, obrigando-o a votar em anacronismos como os que inventaram.
Bolsonaro, tão à frente de Alckmin como está, pode ignorar a necessidade de crescer agora e manter sua aposta de que receberá o voto antipetista no segundo turno. A seu modo, foi mais hábil que o paulista na montagem do jogo.
Léguas adiante de todos, o grande mestre foi Lula.
POR MARCOS COIMBRA, presidente do Instituto Vox Populi