Cartilha com dicas de prevenção a homens transsexuais foi retirada do ar e diretora do departamento de HIV/Aids foi demitida. Caso será investigado pela Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão
O Ministério da Saúde tem 20 dias para explicar ao Ministério Público Federal (MPF) o que motivou a retirada do ar a cartilha “Homens Trans: vamos falar sobre prevenção de infecções sexualmente transmissíveis?”. A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC) enviou ofício cobrando informações ao secretário de Vigilância em Saúde, Wanderson Kleber Oliveira. Mudanças no departamento responsável por políticas contra o HIV/Aids desencadearam reações de entidades.
Ao retirar a cartilha do ar, o Ministério da Saúde justificou a suspensão “em virtude da necessidade de revisão e correção do material”. O MPF pediu o detalhamento do que será alterado e a motivação. O procurador Sérgio Gardenghi Suiama, coordenador do grupo de trabalho Direitos Sexuais e Reprodutivos, é o responsável pelo caso.
O conteúdo foi lançado em julho de 2018, com a colaboração de entidades que representam pessoas transexuais. O texto apresentava orientações para evitar infecções por doenças sexualmente transmissíveis, bem como os direitos dessa população à assistência pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
Conversa e demissão
A demissão da médica Adele Benzaken, diretora do Departamento de IST, Aids e Hepatites Virais do Ministério da Saúde, também entrou na polêmica. Sérgio Gardenghi cobrou um posicionamento da afirmação atribuída ao ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, de que “não haveria política pública de prevenção para a Aids, uma vez que se tratava de questão moral”.
Adele foi demitida após dois anos no cargo. Nesta semana, a retirada da cartilha foi tema de uma conversa entre Adele e o secretário de Vigilância em Saúde, Wanderson Kleber de Oliveira. Ele teriam posicionamentos diferentes em relação ao conteúdo e sua publicação.
O Comitê de Aids da Sociedade Brasileira de Infectologia, o Fórum de Aids do Estado de São Paulo e a Articulação Nacional de Luta Contra a Aids) saíram na defesa de Adele no cargo e divulgaram uma carta. As entidades de representação acreditam que em sua gestão houve avanços nas políticas públicas para essa parcela da população.
Reação de entidades
“Temos disponíveis no país tratamentos muito eficazes para as pessoas vivendo com HIV e aids e também prevenção com preservativos e medicamentos, como a profilaxia pré-exposição ao HIV e a profilaxia pós-exposição ao HIV (PEP). Eles foram garantidos com a mobilização de ativistas, de profissionais de saúde, de advogados, procuradores e juízes, de legisladores, de funcionários e autoridades de saúde dentro do Sistema Único de Saúde (SUS)”, diz um trecho do documento.
A Agência Aids, portal de informações sobre o vírus e seu tratamento, publicou uma entrevista com o infectologista José Valdez Madruga, pesquisador do Centro de Referência e Treinamento em DST/Aids de São Paulo, em que o médico alerta para retrocessos no setor. “Ela (Adele) é responsável por grandes avanços para melhorar a qualidade de vida das pessoas vivendo com HIV/aids e diminuir o impacto social da epidemia. Em sua gestão, o Brasil voltou a ser referência mundial no enfrentamento da aids”, afirmou.
Em nota, o Ministério da Saúde justificou que retirou a cartilha do ar para “adequações técnicas”. “Na página 13, há uma ilustração sobre uma técnica chamada pump. A imagem, no entanto, não é acompanhada de orientações sobre o uso adequado da técnica e os riscos associados. Sem informações adequadas, a prática pode trazer riscos à população-alvo da publicação”, explica o texto. Sobre a suposta afirmação atribuída ao ministro, classificou como “fake news”. “Em nenhum momento o ministro fez essa fala”, conclui a nota.
Aumento de mortes e campanha
No ano passado, o governo lançou uma campanha comemorativa aos 30 anos de luta contra a Aids no Brasil. As peças publicitárias mostravam vários casais e ressaltavam práticas de prevenção e os avanços no tratamento disponibilizado pelo governo brasileiro, considerado um dos melhores do mundo.
Apesar de avanços no tratamento, a redução de mortes por HIV ainda é um desafio. Em cinco estados: Rondônia, Acre, Ceará, Rio Grande do Norte e Mato Grosso do Sul; os óbitos aumentaram no último ano. O número de infectados pelo vírus cresceu 6%. No ano passado, o Ministério da Saúde identificou 42,4 mil novos casos da doença, contra 40 mil de 2016. Em 30 anos, as autoridades registraram 926.742 ocorrências de HIV.
No ano passado, foram registradas 940 mil mortes por doenças relacionadas à Aids. A UNAids, programa da Organização das Nações Unidas dedicado ao combate da doença, faz um alerta: as estatísticas representam apenas 25% dos soropositivos. No mundo, cerca 9,4 milhões de pessoas não sabem que contraíram o vírus.
Mais recursos no SUS
Para diminuir o tempo de diagnóstico e início do tratamento, o Ministério da Saúde pretende distribuir na rede pública o autoteste de HIV para populações-chave e pessoas/parceiros em uso de medicamento de pré-exposição ao vírus. Serão distribuídas 400 mil unidades, inicialmente como projeto-piloto nos estados de São Paulo, do Rio de Janeiro, do Paraná, de Santa Catarina, da Bahia, do Rio Grande do Sul, de Minas Gerais e do Amazonas. Em 2018, mais de 12,5 milhões de unidades foram disponibilizadas.
Desde 2013, os medicamentos antirretrovirais podem ser acessados nas unidades de saúde pelos soropositivos independentemente da quantidade de vírus que eles apresentarem no corpo. Desde a introdução do tratamento para todos, até setembro do ano passado, 585 mil pessoas com HIV/aids estavam em tratamento no país.
Por Correio Braziliense