A maioria de nós acostumou-se às aparições de Stephen Hawking em sua indefectível cadeira de rodas em eventos científicos ou em situações que seriam normais para uma pessoa qualquer, mas não para uma pessoa paralisada pela Esclerose Lateral Amiotrófica, doença com a qual foi diagnosticado com apenas 21 anos. O diagnóstico, naquele momento, vaticinava: ele teria, se muito, dois anos a mais de vida. Contra todos os prognósticos, viveu 55 anos e, mais surpreendente, de forma produtiva.
O físico brasileiro Marcelo Gleiser, que conviveu com o cientista inglês, em várias ocasiões, afirmou que ele era como um cérebro que andava numa cadeira de rodas. O mais incrível, os cálculos e avaliações cosmológicas, área de sua atuação em Cambridge, eram todos feitos de cabeça.
Hawking sobrepujou em muito sua própria área de conhecimento, porque conseguiu traduzir complicadíssimas teorias sobre fenômenos cosmológicos ao cidadão comum, entre os quais aqueles sobre física quântica e buracos negros são apenas umas das expressões mais popularizadas. Seu primeiro livro, “Uma breve história do tempo”, ficou mais de quatro anos entre os best-sellers de não ficção no London Sunday TEMPOs. Um feito incomum para um livro científico.
Depois veio outro livro igualmente famoso, intitulado O universo numa casca de noz, no qual explora a continuidade de algumas teorias que se interligam e superpõem na tentativa de dar uma “teoria de tudo” que explique nossa origem, trajetória e fim. Em relação ao seu primeiro livro, o próprio autor tenta avaliar em que ponto das descobertas se estava naquele momento. O segundo livro é de 2001 – e conclui: “A viagem continua e o final ainda não está à vista… Nossa busca por descobertas alimenta nossa criatividade… Se chegássemos ao fim, o espírito humano definharia e morreria.”
Como cientista, Hawking, sem dúvida nenhuma, escreveu seu nome na história. Seus insights ampliaram nossa compreensão do universo e de alguns dos mais intrigantes eventos sobre os quais sabemos algo, mas ainda estamos em algum ponto longe de compreendê-los totalmente. Quando ele sugeriu que olhássemos mais para o céu e menos para os próprios pés, suspeito que quisesse dizer e/ou indicar que lá longe, no aparente infinito universo que nos cerca, é que estão as respostas que tanto procuramos.
A tecnologia foi a grande aliada de Stephen Hawking, mas ele mesmo e sua incrível capacidade de resistir e sobrepujar todas as suas limitações foi, de fato, o motor de sua longevidade. Uma vida para a qual ele deu um sentido maior e ampliado, deixando sua mente avançar pelos caminhos que desejou.
No prefácio (orelha) de seu livro “O universo numa casca de noz”, para justificar este título diferente, ele cita Shakespeare numa fala da Hamlet: Eu poderia viver recluso numa casca de noz e me considerar rei do espaço infinito…” E argumenta sobre esta intrigante afirmação: “Hamlet talvez quisesse dizer que, embora nós, seres humanos, sejamos muito limitados fisicamente, nossas mentes estão livres para explorar todo o universo e para avançar audaciosamente para onde até mesmo Jornada nas Estrelas teme seguir – se os maus sonhos permitirem.”
Talvez fosse interessante refletir, naqueles dias em que as saídas parecem interditadas, sobre o paradoxo de que estas palavras foram ditas por um homem preso num corpo em silêncio, mas cuja mente, com o auxílio tecnológico, deu ampla voz a um cérebro verdadeiramente livre.
Para quem quiser saber um pouco mais sobre o ilustre físico, veja o filme “A teoria de tudo” no qual o ator que o interpreta, Eddie Redmayne, ganhou o Oscar de melhor ator, em 2015. O ator, com brilhantismo reconhecido, nos apresenta um físico bem humorado e que teve a graça de formar uma família feliz. Sobre a partida do gênio, invoco a sábia frase de Michel de Montaigne: a morte é de fato o fim, mas não é a finalidade da vida.
Por Natalino Salgado*
*Médico, doutor em Nefrologia, ex-reitor da UFMA, membro da ANM, da AML, da AMM, Sobrames e do IHGMA